Diário de um Confinado #2
Hoje fui caminhando até o mercado.
Único momento em que meto meu nariz para fora de casa.
Logo na esquina, a cena, à frente de um portão de um prédio:
- Ei, Vó, até que enfim!
- Que pressa, menino! Não temos mais nada pra fazer, pra que essa correria?
- Vamo logo, Vó! Hoje nós vamos caminhando até a pracinha.
- Tá bom, mas você fica aí. Um metro e meio, no mínimo.
- Eu tô com vontade de te apertar.
- Sai pra lá! Agora é assim, distância social.
- Até quando vai isso? Não aguento mais.
- Sei não. Parece que até junho.
- Pois a senhora vai ter que me aguentar vindo aqui todo dia. Pelo menos a gente passeia e conversa.
- Mas não abraça.
- Isso. Não é a mesma coisa, mas é melhor que celular.
- Sei não, meu grupo de Zap tá a maior animação.
- E o meu vídeo game também, tá?
- Volta lá jogar então, ué.
- Olha que eu vou, hein...
- Pode ir.
- Agora já vim, vamo até a praça.
- E você virou fã dessa pracinha, por que?
- Lá é bom, sempre gostei.
- Bom que nem video-game?
- Tipo isso. Mas um vídeo-game melhorado, porque tem cheiro
- Cheiro de que? De terra e planta?
- Cheiro de terra, de planta e de Vó.
- Menino, você é...
- Sou o que, Vó?
- Nada não...
- Fala, senão eu te aperto.
- Fica longe, menino!
- Tá bom, eu fico. Mas amanhã eu tô aqui de novo
- Um metro e meio?
- Sim.
- Tá bom, vai.
- Já é bem melhor que celular, né?
- Vamo, menino.