Diário de um Confinado #3
Segunda-Feira.
- Pai, quero danone.
- Filha, tá muito cedo, deixa eu dormir mais um pouco, vai.
- Não tá cedo não, pai! Tá o maior sol lá fora. Pega um danone pra mim, por favor.
- Bom dia, Senhor Fernando. Aqui é o Robson corretor retornando sua ligação, tudo bem?
- Pai, esse é o danone da minha irmã. Eu gosto daquele outro rosa.
- Bom dia, Robson. Hoje meu dia está meio cheio, mas assim que der uma folguinha eu te ligo.
- Doutor Fernando, estou com Samuel na linha. Ele está ligando para o call das 8h30.
- Olá, Samuel. Tudo bem?
- Amor, pode fazer esse call do quarto das meninas? Eu vou entrar em uma vídeo conferência em 5 minutos.
- Caramba, pai! Deixa eu dormir mais um pouco.
- Não fala assim, comigo, menina!
- Desculpe, Dr. Fernando?
- Perdão, Samuel. Foi com minha filha.
- Pai, é o interfone!
- Atende para mim, filha. Se for o boy do escritório, fala para ele deixar a pasta na portaria.
- Então, Doutor Fernando. Precisamos daquele relatório para hoje, sem falta.
- Combinado, Samuel. Hoje ainda estará com vocês.
- Pai, o moço da portaria falou para eu chamar um adulto.
- Obrigado, Doutor. Aguardo então.
- Pois não, aqui é o Fernando do dezessete.
- É o boy do seu escritório, ele deixou uma entrega para o senhor.
- Filha, agora levanta que o colégio já mandou as atividades de hoje.
- Mais 5 minutos, pai.
- Então vem comigo, daddy. Hoje é o dia de fazer yapo com os pais.
- Doutor Fernando, é o Jackson na linha, ele já entrou no zoom para o call das 11h00.
- E tuque, tuque, yapo tuque e...
- Doutor Fernando?
- Perdão, Jackson. Vamos recomendar pagamento para os casos 2 e 7.
- Ok, mas eu gostaria de aproveitar o call para um outro assunto que estourou aqui hoje.
- Pai, caiu minha internet bem na hora de começar a aula!
- Jackson, no momento não estamos aproveitando os calls para novos assuntos estourando hoje, ok? Assunto que estourou hoje nós vamos estar atendendo lá pela quinta-feira, muito obrigado.
- Amor, desce para pegar o almoço para nós, por favor.
- Filha, era só ligar o modem na tomada.
- Que bom, pai. Agora eu preciso entrevistar você para a aula de história.
- Entrevista sua mãe que eu vou pegar o almoço.
- Tem que ser você, pai.
- Caralho, peguei a comida e esqueci a pasta que o boy me trouxe.
- Não fala assim na frente das meninas, amor.
- Desculpem, meninas.
- Tudo bem, pai. Eu estou muito feliz de ter vocês em casa o tempo todo.
- Também estou, meu amor. Mas agora eu preciso de cinco minutinhos sozinho, tudo bem?
- Você tem outro call?
- Não, filha. Eu preciso fazer cocô.
- Tá bom, mas depois imprime para mim aquele desenho do Little Poney.
- Doutor Fernando, é o Samuel cobrando o relatório.
- Diga para ele que até meia-noite ainda é hoje.
- Amor, você dá banho nelas que eu vou esquentar o jantar?
- Última pergunta, pai. Você sabe qual era o nome do avô do seu avô?
- Pai, posso tomar um danone antes de dormir?
- Samuel, relatório enviado.
- Pai, esse danone é o da minha irmã, eu gosto do rosa.
- Que bom, filha. Você segue a tradição de toda a família, sabia? O avô do seu avô já preferia os danones rosas.
- Doutor Fernando, veio errado o anexo.
- Sério, pai? E como era o nome, dele?
- Como assim, Samuel?
- Veio um desenho do Little Poney no anexo.
- Porra...
- Amor...
- O que foi, pai?
- Porrrtaria eu disse. Vou descer pegar a pasta na portaria.
- Mas e o nome do avô do seu avô?
- Acho que era Robson, filha.
- Não, amor. Esse é o nome do corretor. Aliás, você ligou para ele?
- Pois não, Senhor Fernando. Queria renovar a apólice, né?
- Não, Robson. Eu queria fazer cocô.
- Como, senhor?
- Eu só queria fazer cocô.