Eu não selfo.
Atualizado: 26 de Jul de 2020
Minha primeira câmera foi uma Tuka.
Sim, existiu uma câmera chamada Tuka.
Meu pai que deu, quando eu fiz 10 anos.
Fazia 12 fotos preto e branco com filme 127 da Kodak, Agfa ou Fuji.
Fiz fotonovela usando a Tuka.
E os meus irmãos.
Revelei e colei em um caderno novo, comprado especialmente para o evento.
Uma história de crime e traição.
Com dois caras e a Lucimar, na vida real filha de uma moça que trabalhou na nossa casa, e que por um tempo virou a irmã que nós não tivemos.
Lucimar também era atriz do circo que encenamos, mas isso já é outra história - no caso, contada nos slides da Olympus Pen, orgulhosamente empunhada pelo meu pai.
Depois da Tuka houve outras na minha vida.
As analógicas, como a Yashica FX-D, as digitais bobinhas, até as atuais Red ou Sony A7, com lentes especiais, blablablabla.
Não me lembro, mesmo quando era o ator que recebia o tiro que acertava o meu coração – vejam vocês – desferido pelo meu próprio irmão, meu rival na busca pelo amor de Lucimar (ou qualquer que fosse o nome da sua personagem), de ter girado a câmera contra o meu próprio rosto no intuito de me fotografar em qualquer situação blasé, local supostamente marcante, trivial ou desimportante do mundo.
E não faço parte da cultura do "veja, sou eu aqui, neste local, completamente sozinho ou com esse grupo de pessoas que não conseguiram ninguém para tirar esta foto para nós".
E não entendo porque câmeras que foram feitas para captar - quanto?, 60% das fotos tiradas por celular? - selfies, são tão ruins para captar... selfies?
As lentes distorcem, as angulares são horrendas, parece que estamos todos dentro de um mundo de colheres reluzentes e muito convexas.
Mas o que eu menos entendo, nem é esse tudo que envolve essa estética e a psicologia desses nossos tempos.
O que eu definitivamente não compreendo é porque os comandos que a gente tem que apertar são tão contraditoriamente inimigáveis (deve existir o contrário de amigável) ao ponto de não fazerem nenhum sentido para quem quer se auto-fotografar sem colocar a mão diante da lente ou sem torcer o pulso em alguma posição completamente antinatural.
Resultado: 100% das primeiras tentativas de selfie dão, inevitavelmente, em tela preta: ao invés da foto eu apago a tela do telefone.
50% das segundas dão dedão ou braço em primeiro plano.
Eu poderia tentar a terceira vez, a da torção de pulso, mas me irrito tanto que a minha cara feia fica ainda pior na lente angular do sensacional iPhone 1, 2, 5, 8, 11, qualquer um.
Desisto feliz.
Eu tenho amigos e conheço os garçons.
Não faço análise, nem selfo.
