No confronto do lar
Atualizado: 1 de Abr de 2020
(ISTOÉ, 04.04.2020)
Joleno e Graciele eram um casal perfeito.
Daqueles de dar inveja para as amigas e orgulho para as sogras.
Se conheceram na faculdade ainda.
Joleno foi calouro de Graciele, que achou engraçado o nome do menino.
– Vem de John Lenon. Sabe como é…minha mãe era meio hippie. - explicou envergonhado.
– Achei fofo.
E pronto.
Bastou para os dois começarem a sair.
Poderia ter sido um desses casamentos relâmpago, tamanha era a paixão que surgiu logo na primeira semana que se seguiu aos trotes.
– Eu te amo. - Joleno declarou já no terceiro beijo.
– Thanks. - Graciele respondeu para desviar o assunto, mas a verdade é que queria retribuir.
Ocorre que Graciele era de família séria, católicos de ir a missa todo domingo.
Ela mesma não era carola como a mãe, ia às vezes, só para agradar ao pai, mas sabia que com amor e casamento não se brinca.
Já Joleno estava surpreso com seus próprios sentimentos. Justo ele que sempre disse que jamais casaria, sucumbiu assim, de cara.
Viraram um casal modelo durante todo o curso de Direito.
Raramente um era visto longe do outro, na cantina.
Graciele se formou primeiro e foi fazer um estágio em Direito Tributário.
Joleno se formou um ano e meio depois, porque pegou uma dependência.
Os dois viraram sócios antes de virarem marido e mulher.
McCartney & Cruz, Advogados.
Em 1992 compraram um apartamento na planta, em Moema.
Dois anos para entregar.
Então, em 1994, depois de oito anos de namoro e nem uma única discussão, nem como sócios, nem como namorados, finalmente casaram, na Nossa Senhora do Brasil que era o sonho de Graciele.
Decidiram não ter filhos nos primeiros anos.
O escritório começava a dar um bom dinheiro, então preferiram conhecer o mundo.
Foi quando voltaram de Bali que Graciele determinou que o momento havia chegado.
Joleno, que sempre gostou de crianças, concordou.
Tiveram um casal, um logo depois do outro, tipo escadinha: Joylson e Joele.
O escritório cresceu junto com as crianças.
Em 2010 já tinham 80 advogados e uma filial no Rio de Janeiro.
Dr. Joleno e Dra. Graciele trabalhavam na mesma sala, que era para ser mais eficiente.
Quem conhecia os dois, sabia que a proximidade não causava problemas.
O amor do casal era conhecido até por quem não era tão íntimo.
– Uns 20 anos de casados e os dois ainda se chamam de “musão", tem coisa mais linda? - uma delegada cochichou ao escrivão, num processo que os dois defenderam juntos.
Joylson e Joele entraram numa faculdade americana e mudaram para Boston.
Então, quando 2020 começou, a vida da família McCartney Cruz, que agora morava num apartamento na Bela Cintra decorado por arquiteta e tudo, ia de vento em popa.
Mas como aconteceu em todo o planeta, em fevereiro, foram surpreendido pela pandemia.
Joleno estava com pouco mais de 50 anos mas, como tinha bronquite, por ordem de Graciele começou a fazer home office muito antes dos primeiros casos surgirem no Brasil.
Graciele sentia falta do marido no escritório e dos filhos nos EUA, mas o bem da família estava em primeiro lugar.
Então veio a quarentena.
O escritório determinou home office para todos os funcionários.
Passou uma semana, duas, três.
Joleno e Graciele não saiam do apartamento nem para fazer supermercado.
Pediam tudo pelo Rappi e jantavam por Skype com os filhos.
Foi então que aconteceu.
Quando a polícia chegou no apartamento, encontrou Joleno esfaqueado, no meio da sala.
Ao seu lado, Graciele ainda com a arma do crime na mão.
Em seu depoimento, para a tal delegada que achava o casal uma coisa linda, a advogada só conseguiu dizer:
– Custava pelo menos botar a porcaria dos pratos na máquina de lavar? Custava? - e gargalhou desvairada.