Os desvarios de Bolsonaro.
Atualizado: 25 de Abr de 2020
Hoje é um dia histórico.
É, ou o começo do fim do governo Bolsonaro, se as instituições estiverem sólidas, ou o início de um período temerário para nossas liberdades.
Bolsonaro nunca teve visão de futuro.
É um populista típico.
Fala o que a massa ignorante, preconceituosa, tacanha, da elite e do povo, porque existem imbecis em todas as classes sociais, querem ouvir.
Mas o Palácio ensurdece.
Então o presidente está sem retorno em seu palco.
Está isolado.
É um rei trancado em seu castelo, que acredita que o poder absoluto vai salvá-lo.
Não vai.
É um rei porque acredita - como seu par americano - que o cargo de presidente da república lhe confere poder absoluto.
Trump acha que pode tudo porque é um empresário.
Imagina que o presidente é como um CEO que pode fazer o que bem entender com sua empresa, a América.
Bolsonaro acha que pode tudo porque é um militar. Imagina que o presidente é como um general que pode reger suas tropas a seu bel prazer.
Não podem.
Não podem porque a democracia, ao contrário de uma empresa, ou uma corporação militar precisa de um constante equilíbrio de forças para sobreviver.
Tanto entre poderes como entre os membros do governo.
Exatamente o oposto do que acontece numa empresa ou num quartel.
Bolsonaro não entende isso porque nunca foi um democrata.
Bolsonaro demitiu Mandetta porque considera que sua opinião é mais importante do que a da OMS.
Bolsonaro deixou Moro sair porque considera que a PF se subordina a ele.
Bolsonaro se indispôs com Rodrigo Maia e com Alcolumbre porque considera que o Congresso e o Senado devem servir ao Executivo.
Bolsonaro confronta o STF porque considera que os ministros estão ali para validar suas decisões de legalidade duvidosa.
Assim, se isolou.
Seu discurso de hoje à tarde é difícil de comentar, porque foram dois.
Um de improviso e um escrito.
Levou um discurso escrito, provavelmente por alguém que compreende o risco de deixá-lo falar de improviso num momento tão grave.
E é um momento gravíssimo porque, ao perder Moro, Bolsonaro se isola também de boa parte de seu eleitorado.
Escrevi aqui que Mandetta saiu rindo porque sabe que a bomba do coronavírus não vai explodir em sua mão.
Moro sai aliviado porque sabe que a bomba das investigações contra a família presidencial não vai explodir na sua.
O redator do discurso penteou o texto para endereçar esses riscos.
Só que, como é rei, Bolsonaro decidiu improvisar antes de ler.
E ao fazê-lo, mostrou sua incapacidade absoluta de compreender o momento, de entender o que é democracia e de primariamente concatenar ideias.
Sua fala de improviso é a redação de um vestibulando medíocre.
Escorregou ao acaso por assuntos diversos, numa retórica que desafia a compreensão.
Mas eu vou tentar.
Começou acusando Moro de egocêntrico, a mesma acusação que fez a Mandetta.
Como bom militar, Bolsonaro não permite que subordinados tenham ideias próprias e chama isso de egocentrismo.
Em seguida, passou a defender a saída do diretor da PF porque priorizou investigações sobre o assassinato de Marielle e não a facada que ele recebeu.
Ao mesmo tempo que alega ser um cidadão comum, esperava prioridade em seu caso.
Cortina de fumaça evidente, para não assumir que sua preocupação é com as investigações contra sua família.
Mas não parou aí.
Porque Moro deixa o ministério e passa automaticamente a ser seu maior rival nas eleições de 2022.
Então prosseguiu seu improviso num misto entre expor o que realizou até hoje, como desligar o aquecedor da piscina olímpica do Planalto, até o quanto agiu para melhorar o INMETRO.
Exemplos vazios, que mostram como é um político limitado.
Se não fosse, não teria sido baixo clero em toda sua vida política.
Seguiu, para desqualificar o novo desafeto político, acusando Moro de ter atrelado a demissão do diretor da PF a uma indicação ao STF.
Uma acusação que, mesmo se for verdade, é leviana.
E difícil de acreditar.
Difícil acreditar que Moro fosse usar uma moeda de troca tão barata quanto o cargo do diretor da PF para um cargo no Supremo.
No improviso, o que parece é que Bolsonaro tenha tentado se valer do boato que Moro almeje o STF como se diz desde que assumiu o ministério.
Típica estratégia que a família Bolsonaro e o gabinete do ódio usam para destruir reputações com fake news lançadas ao ar como quem joga uma pitada de sal na receita.
A receita que o levou até onde está e que, paradoxalmente pode derrubá-lo.
É evidente que Moro se embriagou com a fama que conquistou na Lava Jato de salvador do Brasil, e é evidente que se tornou ministro porque quer a presidência.
E, hoje, graças a competência de Bolsonaro em se isolar, está mais próximo dela.
Por isso Bolsonaro precisa destruí-lo, não só demiti-lo.
Em seguida, concluiu seu discurso ressaltando suas qualidades morais, que vêm do fato de ser militar e cristão.
Terminado o improviso, Bolsonaro lembrou do texto que deveria ter lido.
"São só três páginas aqui"
E, evidentemente, ao ler o texto - provavelmente pela primeira vez - expôs todas as contradições e mentiras de seu improviso.
Na intersecção entre os discursos de improviso e escritos, Bolsonaro assumiu, sem perceber, pelo menos três crimes de responsabilidade.
Somos, então, governados por um presidente isolado, com 7 processos de impeachment aguardando na mesa do Congresso.
Congresso que não o apoia. Exatamente o que aconteceu entre Eduardo Cunha e Dilma.
Bolsonaro hoje, em meio a seus desvarios improvisados, expôs seus medos e suas idiossincrasias como nunca havia feito antes.
E deixou um país inteiro perplexo e confuso.