Todas as palavras.
Atualizado: 10 de Set de 2020
Ele entrava na sala de aula sem olhar a bagunça que nela havia.
O corpo magro, a pele clara e a barba lhe davam um aspecto frágil diante de adolescentes cheios de energia e má vontade.
Era mais uma aula de Português do professor Camilo.
Mas, aquele dia e aquela aula foram diferentes: pra ele e pra mim.
Hábil com o giz, Camilo começou a escrever na lousa algo que parecia um poema.
A turma inquieta daquela oitava série do ano de 1975 estava indiferente, e até aproveitava para continuar bagunça que precedia a aula.
Camilo tinha o respeito dos alunos. Era o que chamaríamos hoje de um professor “descolado”.
Quando terminou de escrever, revelou que, naquela aula, iria mostrar a força das palavras.
E começou a ler o tal poema.
O rei da brincadeira (ê, José) O rei da confusão (ê, João) Um trabalhava na feira (ê, José) Outro na construção (ê, João)
Vocês já sabem do que se trata, mas eu não sabia.
A aula foi uma viagem.
Camilo mostrava a dança das palavras e a força dos seus significados.
Quando ele leu que José “viu Juliana na roda (gigante) com João” e as palavras começaram a girar como numa roda gigante, eu pirei.
O sorvete e a rosa (ô, José) A rosa e o sorvete (ô, José) Foi dançando no peito (ô, José) Do José brincalhão (ô, José)
Tudo era novidade. Um mundo totalmente novo.
Repare que foi uma aula sobre o texto da canção.
Ou seja, sem o reforço da melodia e da harmonia que deixariam aquilo tudo ainda mais forte.
Enfim, o professor Camilo nem imagina o quanto essa aula foi marcante na minha vida.
Aquele moleque de 14 anos, até então roqueiro, acabava de perceber a importância da palavra.
Não tenho palavras pra agradecer ao professor Camilo.
Minto, tenho todas, graças a ele.